“Lúpus na Criança” foi o tema apresentado pela Dra. Maria José Santos, no XII Encontro Nacional de Doentes com Lúpus que teve lugar no passado dia 26 de Maio. A Associação de Doentes com Lúpus esteve à conversa com a especialista e deixamos-lhe a entrevista com as principais respostas.
Associação de Doentes com Lúpus (ADL): Quais as principais diferenças entre o Lúpus na criança e no adulto?
Dra. Maria José Santos (MJS): O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença rara na infância, particularmente na primeira década de vida. No entanto há casos de início muito precoce, diagnosticados no primeiro ano de vida. Na criança, a doença inicia-se, em geral, de uma forma mais abrupta. As manifestações cutâneas e articulares estão entre as mais frequentes. No entanto, o envolvimento renal, hematológico e neurológico são mais comuns no lúpus juvenil, comparativamente à doença iniciada na idade adulta.
(ADL): Falou que há um atraso no diagnóstico, isso deve-se a quê, falta de conhecimentos e/ou experiência…?
(MJS): O atraso no diagnóstico deve-se em parte à raridade da doença e também ao facto do lúpus ser uma doença heterogénea e que pode simular outras patologias. O LES afecta 0,1% da população adulta portuguesa e só 10% dos casos têm início na infância ou na adolescência, isto significa que no total dos doentes, apenas algumas centenas tiveram início antes dos 18 anos. Desde os primeiros sintomas até se estabelecer um diagnóstico vai um período de 6 meses, em média. Este valor é significativamente mais baixo nas criança do que na idade adulta, provavelmente devido a um início agudo e com manifestações mais severas nas crianças.
(ADL): Referiu que 20% das crianças tem lesões irreversíveis. Quais as principais?
(MJS): Apesar dos avanços no conhecimento e na abordagem dos doentes com lúpus, infelizmente alguns desenvolvem dano irreversível. Estas sequelas estabelecem-se ao longo do tempo, são mais frequentes naqueles que tiveram lúpus mais activo e que consequentemente necessitaram de tratamento com corticoides em doses mais elevadas e durante mais tempo. Estas lesões sequelares afectam mais frequentemente o sistema musculoesquelético, neurológico e ocular (por exemplo necrose vascular, deformações articulares, epilepsia ou cataratas). Conhecendo os doentes mais vulneráveis a estas complicações, é imperativo tentar evitá-las com medidas preventivas apropriadas, sempre que possível.
(ADL): Como é feito o tratamento destes doentes?
(MJS): Trata-se de uma doença crónica que evolui por surtos onde não há um tratamento único, igual para todos os doentes. Há que ter em conta as manifestações clínicas e a sua gravidade e adoptar as medidas terapêuticas mais apropriadas a cada momento. Existem contudo alguns princípios transversais a todos os doentes tais como evitar a exposição solar, adoptar estilos de vida saudáveis e manter uma vigilância regular de modo a detectar e tratar atempadamente qualquer exacerbação da doença. Os medicamentos antipalúdicos são úteis e seguros na generalidade dos casos; por vezes é necessário recorrer a corticosteróides, a imunossupressores e/ou a medicamentos biológicos, em particular nas formas mais graves de lúpus. Como o risco de infecções pode estar aumentado deve-se fazer uma profilaxia apropriada e vacinar sempre que indicado. A educação sobre a doença é fundamental para que a criança adira à terapêutica e à monitorização regular. Além de todos os cuidados mencionados anteriormente, há que ter particular atenção ao desenvolvimento da criança, quer do ponto de vista físico, psíquico, mas também à sua integração na família e na sociedade.
(ADL): Qual o principal objectivo do tratamento?
(MJS): Controlar a actividade lúpica, prevenir complicações, manter as crianças bem integradas na família, na escola, na sociedade e preparar a transição sem sobressaltos para a idade adulta.
(ADL): E a qualidade de vida?
(MJS): Qualquer doença crónica tem impacto no doente, particularmente no doente jovem. Acresce que alguns medicamentos para tratar o lúpus podem interferir com o crescimento, associar-se a aumento de peso e alterações da imagem corporal, com graves problemas de auto-estima. Há que educar a criança/o jovem sobre o que pode esperar desta doença e aprender a lidar com ela. O envolvimento da família e da escola são pilares fundamentais neste processo. Com uma abordagem adequada é possível melhorar o prognóstico do LES e a qualidade de vida dos doentes
(ADL): A esperança media de vida destas crianças é a mesma que nos adultos?
(MJS): A esperança de vida dos doentes com LES juvenil melhorou substancialmente nas últimas décadas. Em regra é possível controlar a actividade lúpica com as terapêuticas disponíveis. Os casos incontroláveis e fatais são hoje uma excepção, mas a esperança de vida é mais baixa do que a população em geral. Como os doentes vivem mais tempo, deparamo-nos com maior frequência com complicações a longo prazo que causam sofrimento e até a morte. Entre as principais complicações do LES estão as infecções e as doenças cardiovasculares, pelo que as medidas preventivas para minimizar estes riscos devem ser instituídas muito precocemente.