“Importância de uma dieta saudável nas doenças autoimunes” foi o tema apresentado pela nutricionista Dra. Rosa Pires no XII Encontro Nacional de Doentes com Lúpus que teve lugar no passado dia 26 de Maio. A Associação de Doentes com Lúpus esteve à conversa com a especialista e deixamos-lhe a entrevista com as principais respostas.
Associação de Doentes com Lúpus (ADL):Como é que alimentação influencia a autoimunidade?
Dra. Rosa Pires (RP): As doenças autoimunes têm a inflamação na sua base, o que quer dizer que a ingestão de alimentos que aumentam esta inflamação vai agravar o estado da doença e levar a uma degradação da qualidade de vida.
(ADL): Considera que os portugueses têm uma alimentação adequada, a dita dieta mediterrânea?
(RP): Não! Hoje em dia, a maioria dos portugueses está longe de ter uma Dieta Mediterrânea. Não teríamos tantos problemas de saúde e a iniciar em idades tão precoces se assim fosse.
A palavra dieta está muito associada a um regime alimentar restritivo e não é o caso. A palavra “dieta” deriva do termo grego “diaita” que significa estilo de vida equilibrado. Uma Dieta Mediterrânica, implica, por exemplo:
- consumo de produtos frescos, de origem local e que respeitam a sua sazonalidade;
consumo elevado de alimentos de origem vegetal (nomeadamente hortícolas e frutícolas);
consumo frequente de pescado;
utilização de azeite como principal gordura para cozinhar ou temperar;
consumo de água como bebida de eleição a acompanhar as refeições;
confecções culinárias simples;
prática de actividade física diária;
refeições em família ou entre amigos, promovendo a convivência entre as pessoas à mesa.
O que se passa, é que cada vez mais, a alimentação se baseia em falsos alimentos, ou seja, produtos altamente processados, com listas de ingredientes enormes e muitos deles desconhecidos. Para além disso, cada vez estamos menos activos e mais isolados, o oposto do estilo de vida associado ao conceito de uma Dieta Mediterrânica.
(ADL):Tendo em conta que o Lúpus é uma doença auto-imune, quais os alimentos que devem ser retirados da alimentação?
(RP): Cada caso é um caso e não há uma receita única para todos. No entanto o que nos diz a evidência científica e a experiência da prática clínica de quem acompanha doentes com Lúpus é que alimentos processados, açúcar, glúten, lacticínios, levedura (Saccharomyces cerevisiae), carne vermelha e álcool aumentam a inflamação e pioram a qualidade de vida destes doentes. Não menos importante, é averiguar e retirar da alimentação, os alimentos aos quais a pessoa é alérgica ou intolerante, pois também vão aumentar essa inflamação.
(ADL): E quais os que devem ser incluídos?
(RP): Somos todos tão diferentes, o que torna esta pergunta bastante difícil de responder. Antes de qualquer prescrição nutricional, à várias questões que têm de ser avaliadas (alergias e intolerâncias alimentares, défices nutricionais, genética, condições clínicas especificas, etc.), pois é esta inclusão alimentar (a par da exclusão) que vai fazer toda a diferença na qualidade de vida destes doentes.
- De um modo geral, é importante incluir:
Vegetais/legumes e frutas (10 porções por dia);
Alimentos ricos em antioxidantes (gengibre, curcuma, etc.);
Alimentos com ação probiótica (vinagre de cidra, pickles, chucrute, kombucha, kinchi, etc.);
Alimentos ricos em ómega 3 (sardinha, cavala, salmão selvagem, etc.).
(ADL): Manter essa alimentação não se torna mais dispendiosa?
(RP): Não, pelo contrário! Isso não é um problema. O nutricionista quando faz a prescrição nutricional, também tem em conta a situação económica do doente. As opções propostas são previamente acordadas com o doente. É por isso também, que cada prescrição se torna tão específica e individual.
(ADL): Que cuidados devem ter os doentes ao interpretar os rótulos dos alimentos. O que é absolutamente proibido?
(RP): Eu diria que um bom ponto de partida seria evitar, ao máximo, tudo o que tem rótulo e basear a alimentação em comida de verdade como: vegetais/legumes, frutas, ovos, pescado, alguma carne branca e algumas sementes e frutos oleaginosos.
No caso de ter mesmo de recorrer a alimentos embalados, o meu conselho é: ler quais os ingredientes que estão presentes e excluir tudo o que tiver: aromas, corantes, edulcorantes, intensificadores de sabor, açúcar ou equivalentes e designações desconhecidas ou nomes estranhos.
O doente não deve delegar na indústria alimentar, a responsabilidade do que come, pois a sua saúde depende disso. Deve tornar-se ativo e participativo (pesquisando na internet por exemplo), lendo os rótulos (principalmente o campo dos ingredientes) e sendo crítico e exigente nas suas escolhas.
(ADL): Da experiência que tem, acha que os doentes com Lúpus têm acompanhamento nutricional adequado, tendo em conta que se fala numa abordagem multidisciplinar?
(RP): Existe cada vez mais a consciência de que é fundamental um acompanhamento nutricional especializado neste tipo de doenças e integrado numa equipa multidisciplinar e isso já é um passo importante. No entanto, ainda há muito que fazer e a Associação de Doentes com Lúpus tem vindo a fazer um trabalho muito importante neste sentido.
(ADL): Quais os principais benefícios em manter a alimentação certa?
(RP): Um acompanhamento nutricional especializado faz uma diferença incrível! A alimentação certa desempenha um papel fundamental e tem um grande impacto na melhoria da qualidade de vida destes doentes.
Já em 460 a.c., Hipócrates dizia “que o teu alimento seja o teu medicamento”. Não podemos descuidar os alimentos que escolhemos, pois dessas escolhas depende a nossa saúde e bem-estar.